terça-feira, 26 de maio de 2009

O CONHECIMENTO EM AÇÃO

“Criar conhecimento que ainda não existe dentro ou fora da empresaconstitui uma das formas mais eficazesde se obter vantagens competitivas.”

 

por Jean Jacques Salim FGV-EAESP

 

 

Imaginemos os seguintes cenários:

 

Cenário 1. O Sr. Antônio Ermírio de Moraes convoca os membros do Conselho da Votorantim para uma reunião extraordinária a fim de anunciar uma decisão da maior importância: “Comunico, em caráter pessoal e irrevogável, que deixarei imediatamente as funções de presidente do grupo, para dedicar-me com exclusividade às ações sociais e a escrever peças de teatro...”.

Cenário 2. Alguns especialistas em programas de computador, que há anos trabalham para a Microsoft, um dia sofrem um surto de amnésia. Não se lembram de mais nada: quem são, de onde vieram ou para onde vão, que dirá dos códigos e senhas de acesso aos softwares que a empresa planejava lançar em breve no mercado!

Cenário 3. Os dirigentes de uma tradicional indústria brasileira reúnem-se em um seminário, às voltas com um tema de prioridade máxima: o que fazer diante do avanço do principal concorrente, que acaba de fechar uma aliança com o maior fabricante estrangeiro do ramo, visando sobretudo à transferência de know-how e acesso a novas tecnologias? O que esses cenários têm em comum? De imediato, deduzimos que uma grande reviravolta, de conseqüências previsíveis e funestas, estará ocorrendo nas vidas confortáveis dos administradores dessas empresas. Contudo, o menos óbvio e mais importante é que nas três situações descobrisse, repentinamente, que o conhecimento, no sentido amplo da palavra, é um recurso de valor estratégico para as organizações. Embora os gestores dependam dele o tempo todo, nem sempre se dão conta de que é preciso valorizá-lo adequadamente, mapeá-lo na medida certa, compartilhá-lo com inteligência... administrá-lo, enfim. Foi por razões parecidas com essas que a gestão do conhecimento, Knowledge Management, ou simplesmente KM, transformou-se em tema recorrente de livros, revistas, congressos, cursos, sites e seminários. Desde a segunda metade da década passada também está presente na agenda de acadêmicos e da comunidade empresarial. Se estamos todos conscientes de que vivemos em uma nova sociedade, em perene mudança, cada vez mais globalizada e competitiva, cabe investigar quais foram os progressos alcançados pelas organizações na gestão do conhecimento, mapeando também os principais entraves por elas encontrados. Nossa experiência de cinco anos de trabalho em situações de treinamento e de consultoria permite-nos recomendar um modelo geral capaz de servir de guia ao planejamento, implementação e monitoramento para as organizações que ainda não acharam o caminho.

Progressos alcançados: Os projetos de gestão do conhecimento têm sido lançados por muitas empresas. Os casos mais bem-sucedidos costumam estar associados a multinacionais sofisticadas e de grande porte, organizações de serviços altamente especializados e empresas intensivas em inovação e tecnologia de ponta. Mas também há várias entidades brasileiras que têm demonstrado iniciativa, criatividade e progressos satisfatórios nesse campo, dentre as quais a Natura, a Petrobrás, a Promon, a Embrapa e o Banco do Brasil. De fato, parece que estamos esgotando a etapa inaugural da discussão de conceitos, para entrar de forma mais generalizada na fase da experimentação. Acreditamos que a imprecisão inicial na definição de expressões como “capital intelectual”, “ativos intangíveis” e “ativos ocultos” é questão superada. Hoje estamos mais interessados em executar a gestão do conhecimento de modo consistente, simples e adequado ao perfil da organização. Um dos focos atuais de dificuldade decorre da forma como surgiu a literatura da área. Os primeiros livros publicados não nasceram de investigações criteriosas, com a finalidade de compreender o que estava ocorrendo no mundo dos negócios e de apresentar uma “teoria” sobre a natureza das mudanças. É certo que os sinais da economia do conhecimento já haviam sido captados bem antes por autores consagrados como Peter Drucker e Alvin Toffler, mas foram as publicações de cunho jornalístico que incendiaram o interesse, como duas reportagens de capa da revista Fortune: “Brainpower” (1991) e “Intellectual Capital” (1994), escritas por Thomas Stewart.

Agora que as noções sobre a gestão do conhecimento adensaram-se e se expandiram, trabalhos teóricos robustos foram gerados e lições extraídas dos erros do passado ajudaram a reduzir dificuldades de compreensão, é a vez de vencer os obstáculos operacionais.

O modelo proposto: Consideremos então o seguinte ponto-chave: os gestores somente podem desenvolver uma abordagem integrada de KM se conseguirem, em primeiro lugar, dispor de uma moldura conceitual que lhes permita visualizar o circuito a ser percorrido para, depois, avaliar sua situação atual e traçar um plano de metas a serem alcançadas no futuro. O cuidado com os aspectos estratégicos e operacionais, a clareza de linguagem e a utilização de mecanismos de feedback para acompanhar o progresso das iniciativas são outros itens importantes para a elaboração do esquema. Cabe também considerar que a gestão do conhecimento é uma área multidisciplinar por definição, guardando intimidade com iniciativas nos âmbitos de treinamento e desenvolvimento, tecnologia de informação, e pesquisa e desenvolvimento. Em inúmeras ocasiões solicitamos aos participantes de nossos workshops que arrolassem em uma folha de papel o maior número possível de iniciativas que, praticadas em suas empresas, poderiam ser relacionadas à gestão do conhecimento. As listas produzidas quase sempre surpreendiam pela quantidade e diversidade de ações. Fazíamos, então, a pergunta incômoda: podemos considerar tais organizações praticantes da gestão do conhecimento? Depois da natural hesitação, a resposta geral era “não”. E por que “não”? Após alguns instantes de reflexão, as justificativas convergiam para os mesmos pontos: primeiro, porque os esforços não eram sistemáticos e intencionais; segundo, porque parecia haver uma grande redundância de atividades, espalhadas no tempo e sem conexão; terceiro, porque não havia mecanismos formais de estabelecimento de metas nem de avaliação de resultados, apenas a implementação. Propúnhamos, então, que os participantes visualizassem a gestão do conhecimento de acordo com um sistema circular e seqüencial, que contempla quatro dimensões fundamentais: gerar, codificar, disseminar e assimilar conhecimentos. Isso já era suficiente para servir de referencial e para classificar em categorias as atividades inventariadas. Feita a classificação, surge outra constatação: as ditas iniciativas de KM distribuíam-

se pelas quatro dimensões de forma desigual, confirmando o que foi dito antes, de que se tratava de esforços dispersos, assistemáticos e sem controle formal. O que sugerimos agora é uma extensão aprimorada desse modelo. Inicia-se com a definição de objetivos e a institucionalização de mecanismos de monitoramento. Sua estrutura assenta-se em cinco processos: (1) mapear; (2) gerar; (3) disseminar; (4) usar e assimilar; e (5) manter conhecimento.

Fixar objetivos e monitorar o progresso: Uma vez convencidos da importância estratégica do conhecimento para a sobrevivência e competitividade da empresa, os gestores devem assegurar-se de que o uso e a difusão desse capital sejam tratados de modo objetivo. Da mesma forma que nenhum administrador responsável admitiria deixar os recursos financeiros ou os ativos imobilizados da organização ao acaso, o conhecimento, para produzir frutos, precisa ser planejado, identificado, adquirido ou desenvolvido, inventariado, avaliado e preservado. É preciso formular uma política geral, traçar objetivos e desenvolver uma “contabilidade” para o conhecimento, de modo que haja consistência com a visão, os valores, a missão e demais metas operacionais da empresa.

Mapear conhecimento: Toda organização dispõe de uma base de conhecimento. A conhecida frase “ah, se soubéssemos o que sabemos” resume a importância de serem criados mecanismos e incentivos para dar visibilidade aos conhecimentos possuídos pelas pessoas, imersos nos diversos subsistemas e nas redes externas. Saber onde encontrar aquilo de que se precisa, de forma rápida e eficiente, pode ser mais importante do que acumular informações, sobretudo nestes tempos de conectividade em tempo real e em escala global.

Gerar conhecimento: Esse processo compreende tanto a aquisição externa de conhecimento, quanto sua produção interna deliberada. Há muitos tipos de conhecimentos que as empresas podem comprar no mercado ou mesmo obter livremente, em vez de tentar reinventar a roda. Por outro lado, criar conhecimento que ainda não existe dentro ou fora da organização constitui uma das formas mais eficazes de obter vantagens competitivas. Em ambos os casos, como na tradicional opção entre fabricar versus comprar/terceirizar, requer- se a avaliação dos efeitos econômicos e estratégicos.

Disseminar conhecimento: O desenvolvimento das tecnologias de informação e telecomunicações oferece muitas oportunidades para a difusão do conhecimento, mas as transferências de informações entre pessoas, entre escalões diferentes e de uma área funcional para outra continuam sendo os grandes desafios. As barreiras ao intercâmbio irrestrito são dos mais variados, envolvendo desde questões de poder e motivação até empecilhos relacionados à hierarquia e infra-estrutura.

Assimilar e aplicar conhecimento: Todo o esforço despendido nos módulos anteriores será em vão se o conhecimento não for usado e absorvido amplamente por todos os segmentos da organização. É aqui que se observa a gestão do conhecimento em ação. Porém, tanto do ponto de vista individual quanto organizacional, há uma grande diferença entre adquirir conhecimentos e aplicá-los efetivamente. As resistências podem ser atenuadas se for dada atenção a aspectos técnicos de acesso ao conhecimento, a questões culturais e psicológicas, até mesmo a impedimentos relacionados ao processo de aprendizagem (assimilação).

Manter conhecimento: Recurso em permanente modificação, o conhecimento fica obsoleto se não for reciclado, perde-se nos sistemas de armazenamento se não for registrado, torna-se indisponível quando cessam as parcerias ou quando os funcionários saem da empresa. Há conhecimento impossível de ser codificado e também aquele cujo registro é inconveniente, por razões de proteção, custo ou tempo. Em contrapartida, as tecnologias recentes para triagem, armazenagem e recuperação de informações estão cada vez mais potentes e acessíveis.

Fatores críticos para o sucesso: A gestão do conhecimento é uma forma de dar coerência e direção a um amplo conjunto de intervenções organizacionais: para isso, requer um modelo conceitual, que pode se assentar em diferentes premissas. Nossa experiência sugere que o formato clássico – formulação de objetivos ou metas, implementação e monitoramento – é um bom guia. Os cinco processos sugeridos podem ser implementados a partir de um conjunto de ações, aqui chamados de oportunidades, enquanto nos mantemos atentos para as dificuldades correspondentes. O Quadro ao lado dá uma idéia de como relacionar esses itens. Por fim, devemos lembrar que “conhecimento” é um vocábulo escorregadio. Para fins práticos, sugerimos que o empreguemos de maneira ampla, abarcando habilidades, competências técnicas, experiência, atitudes e até mesmo informações estruturadas. Se for conveniente desdobrá-lo em categorias, recomendamos as seguintes: saberes gerais – repertório de conceitos, teorias e instruções normalmente obtidos por meio da educação formal –; saber fazer – habilidades básicas, específicas e de gestão normalmente desenvolvidas com a experiência e a prática – e saber agir – conjunto de valores, crenças e modelos mentais construídos ao longo da vida, porém mais difíceis de mudar. Diferentemente dos recursos tradicionais – dinheiro e máquinas, força física e recursos naturais –, o conhecimento tende a desenvolver-se, ser compartilhado e dar frutos em ambientes favoráveis, onde devem ser cultivados valores como confiança mútua, abertura para a pluralidade de opiniões, espírito democrático, tolerância ao erro, oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, estímulos à responsabilidade, à criatividade, à espontaneidade e à autonomia. Equivale dizer que são necessários novos princípios de organização – uma espécie de cidadania organizacional. Conhecimento, outra vez entendido no sentido amplo e para as finalidades organizacionais, diz respeito a pessoas, estruturas e tecnologias. Achar o equilíbrio adequado entre esses elementos pode ser difícil, mas é fundamental.

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